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Manifesto: LIBERDADE AOS PIORES DE BELÔ

In blog on setembro 28, 2010 at 21:50

Longe dos holofotes da Bienal Internacional de Arte de São Paulo e da imprensa especializada sobre arte, a pixação* invade a cidade e ainda é duramente reprimida pelo poder.

No dia 24 de agosto, cinco pixadores do grupo conhecido como os Piores de Belô foram presos. A polícia havia pedido a prisão preventiva dos integrantes por formação de quadrilha, pichação, invasão a propriedade alheia, crime ambiental, depredação de patrimônio público e apologia ao tráfico de drogas.

Tal fato não se mostra de forma nenhuma isolado, já que, desde junho do ano passado, a Polícia Civil desencadeou a “Operação BH Mais Limpa”, que resultou no cumprimento de nove mandados de busca e apreensão. Ainda esse ano, a Polícia Civil criará uma delegacia para combater especificamente as gangues de pixadores que agem em Belo Horizonte, fato já amplamente divulgado como uma ação visando a Copa do Mundo. Nos parece óbvio que, com a aproximação da Copa e o ímpeto de gerar uma cidade limpa e asséptica, serão criados cada vez mais novos meios de repressão.

Além dessa nova delegacia, a Prefeitura de Belo Horizonte prevê também uma central de monitoramento eletrônico. As câmeras serão instaladas para vigiar os prédios públicos e locais de grande concentração de pessoas, como o Parque Municipal no Centro, o mirante das Mangabeiras e também a Praça da Estação (que, como já sabemos, é um espaço que só atende às demandas da própria Prefeitura, da socialite Ângela Gutierrez, o seu Museu de Artes e Ofícios e o interesse de grandes empresas que podem pagar o preço absurdo de utilização da praça). Essas novas formas de combate ao crime são legitimadas pela falsa sensação que o cidadão comum tem de que o poder público efetivamente o protege e zela pela boa conservação da cidade quando, na verdade, a cidade só deve estar limpa e bem apresentada para receber o capital estrangeiro que escoará por aqui no período da Copa. Tais ações transformam a cidade em um lindo cartão postal, longe de qualquer uso efetivo e real pelas pessoas.

O preço de toda essa “segurança” e limpeza?! Eis aqui a conhecidíssima resposta: a eterna vigilância e a repressão constante. Tudo pretensamente justificado  pelos dados que a própria prefeitura apresenta, alegando gastar R$ 2 milhões por ano em reparos de equipamentos públicos depredados, incluindo pixações. Parece ser preferível pelo poder público gastar com reparos e repressão do que efetivamente discutir o problema para além do âmbito criminoso. Como transformar jovens com rolinhos de tinta em assaltante ou traficante? Prenda o pixador por formação de quadrilha e enjaule todos juntos! A manobra política efetuada pela força tarefa do Ministério Público em conjunto com Prefeitura e a Polícia Civil para enquadrar os Piores de Belô como uma quadrilha, modificando o procedimento normal dispensado ao delito, além de cruel, é extremamente simplista, reduz a questão a um caso de polícia e encarcera sumariamente os autores de uma das práticas estéticas mais questionadoras do espaço urbano. Nos parece que tal acusação é só uma forma de infligir penas mais duras para aqueles que, como dizem os próprios Piores de Belô, apenas “jogam tintas nas paredes”.

O que nos surpreende é o caso ter sido negligenciado tanto por artistas quanto por “intelectuais”, pois é necessário e urgente que haja uma defesa da pixação, dos Piores de Belô e das movimentações que vão contra os processos de gentrificação que Belo Horizonte está passando. A única defesa pública do fato vem de Deborah Pennachin, doutoranda da Escola de Belas Artes da UFMG que tem como objeto de estudo a pixação e que, ao defendê-los em uma reportagem, afirma: “Para quem estuda, eles são top de linha da pichação em Belo Horizonte”. Sabemos o quanto é provável que a impressa tenha cortado partes importantes do seu argumento, mas não podemos deixar de considerar que defendê-los apenas por seu valor estético, além de ser um argumento fraco, soa oportunista. Afinal, isso pode acontecer com qualquer “pixadorzinho meia-boca” e é o que de fato ocorre: a maioria desses pixadores vive em comunidades carentes onde traficantes e assassinos não passam o que eles passaram nas mãos da polícia por causa da pixação. De janeiro a agosto deste ano, foram presos 257 pixadores em Belo Horizonte.

Sem entrar em qualquer mérito sobre a pixação, espaços excludentes, relação com a cidade, arte/anti-arte, colocamos a questão: será que só o fato de ser uma medida autoritária que vai aumentar a quantidade de processos desnecessários no judiciário, abarrotar ainda mais nossas cadeias que ferem cotidianamente o básico dos direitos humanos e possivelmente servir de escola de bandidagem para jovens que só andavam por aí armados de rolinhos e tinta, será que só isso não basta para ser contra a prisão destes jovens?

Devemos lembrar que Os Piores de Belô ainda estão detidos por tempo indeterminado em uma unidade comum até que ocorra o julgamento.

* Utilizamos a grafia “pixo” no lugar de “picho”, conforme o uso que os próprios interventores fazem