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verbete #7: [plágio]

In vocabulário de palavras em desuso on fevereiro 27, 2011 at 06:06

Sous la plage, le plagiat (debaixo da praia, o plágio)

Assim como esse texto é constituído por plágios, qualquer trecho ou o texto inteiro, é livre para ser copiado

Se não há nada de novo no mundo por qual razão ainda somos tão possessivos com nossas ideias?

Ainda na infância fomos ensinados que a maioria das nossas ideias já foi pensada. Quantos de nós não passaram pela situação de ter uma ideia excitante e promissora para rapidamente ser repreendido por um adulto afirmando que não há nada novo em nossas propostas ou que isso já havia sido pensado anteriormente e não funcionou. Nosso método de educação é bastante claro, devemos aprender (de preferência calados) e escolher entre as ideias e crenças já em circulação, dificilmente somos estimulados a desenvolver posições próprias.

O conceito de propriedade intelectual parece ainda mais enraizado ao senso comum do que o de propriedade material e mesmo que muitos intelectuais tenham afirmado que toda propriedade é um roubo (e entre as movimentações anticapitalistas, anarquistas ou ditas “pós-modernas” isso já tenha virado um clichê teórico) dificilmente tal colocação é dita em relação às ideias.  A grande maioria das pessoas desconsidera que conceitos, ideias e obras são frutos de uma cultura e de um tempo, não emergindo do nada. Afirmar que uma ideia possa surgir de um único individuo é desconsiderar toda uma historicidade e simplificar grosseiramente as redes de influências variadas que os processos criativos sofrem. Além disso, não há como fugir da linguagem, no momento em que um sujeito passa a enunciar um discurso qualquer, este já está imerso em algo dado, a própria linguagem. O grande problema está na naturalidade em que somos levados a declarar ideias, conceitos, objetos e até pessoas como sendo propriedades. A lógica do mercado econômico adentra não só nas nossas relações de trabalho e consumo, mas parecem também invadir a vida cotidiana, alterando a forma com que nos relacionamos, pensamos e criamos.

A noção de que ideias possam ser tratadas como propriedade privada acaba por afetar nosso comportamento critico, deixamos de tomar um posicionamento questionador em relação à história e  a toda a herança que podemos retirar dela. O passado, artistas e pensadores tomam formas estáticas e religiosas, como se fossem esferas intocáveis e não passíveis de critica. Importante notar como fazemos pouca distinção entre os pensadores e seus pensamentos, o que acaba por levar a um culto à personalidade que impede qualquer consideração útil sobre os trabalhos destes pensadores e artistas. Tal culto personalista promove uma cruel inversão, já que se torna mais importante saber quem é o pensador que entrar em contato com seus pensamentos. Assim, não importa mais o que é emitido, apenas quem emite, tornando a posse da ideia o fator mais relevante para mensurar o valor das preposições ou obras. Será que um autor é independente de seus trabalhos? A obra de um autor pode ser reduzida a sua vida?  Se tal questionamento for de fato importante, talvez devêssemos nos atentar que às vezes uma obra pode ser bem maior do que seu autor (podemos citar vários grandes autores e pensadores que flertaram ou aderiram a ideias execráveis, mas, ainda assim deixaram um legado riquíssimo: Martin Heidegger, Knut Hamsun, Jorge Luís Borges, Luigi Pirandello, Ezra Pound, Bertolt Brecht, dentre centenas de outros.).

A longa tradição de reconhecer direitos de propriedade intelectual a indivíduos resultou em nossa sociedade na ideia de que um “pensador” ou “artista” é um ser diferenciado, detentor de uma sensibilidade maior do que a maioria dos meros mortais.  A glorificação do gênio, como alguém que naturalmente tem o dom de produzir artefatos, ideias elevadas e que é capaz de unir o conceitual e o sensível acaba por nos levar a crer que são poucos os indivíduos que possuem tais talentos, como se a criação e o pensamento devessem ficar apenas nas mãos desses seres únicos e raros, transformando tais atividades em domínios apenas para especialistas. Tornamo-nos dependentes das ideias alheias, e permanecemos contentes em sermos meros espectadores dos trabalhos criativos dos outros.

É importante notar que nem sempre foi assim, a própria ideia de autor é histórica e apresenta seus primeiros traços na Idade Média a partir dos livros heréticos. Para identificar e condenar os responsáveis pela transgressão escrita era preciso primeiro designá-los como autores de tais textos. A noção de autoria passa a ser importante na medida em que os discursos se tornam transgressores e passíveis de punição.  Foi na Renascença e seus distintos fatores sociais, políticos e econômicos que contribuíram para a invenção e exaltação do indivíduo, o que no campo da arte correspondeu à invenção do “autor”.  O autor como uma invenção moderna, era importante porque dava pistas à leitura, a obra estava então intimamente associada a quem produziu e a ideia de autor criava uma unidade do discurso.

No século XV com a invenção da imprensa, é possível ver a íntima vinculação entre autoria, propriedade intelectual e poder. Os soberanos ao notarem a rápida circulação de informações sentiam-se ameaçados já que antes da imprensa, o conhecimento ficava restrito à pequena elite religiosa e econômica que tinha acesso aos livros manuscritos. Assim o poder cria um instrumento de controle, concedendo aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização dos títulos que editassem, a fim de que estes, em contrapartida, velassem para que os conteúdos não fossem desfavoráveis à ordem vigente. A própria invenção do copyright na Inglaterra do século XVI não surge para a proteção dos autores mas para o monopólio dos comerciantes e livreiros (além de exercer seu papel no controle das informações). A associação da ideia de propriedade intelectual as leis de direitos autorais é a ideologia que fundamenta o monopólio privado do capitalismo, justamente por isso que tal situação deve ser atacada por qualquer descontente com o atual estado das coisas.

Talvez esse seja um dos aspectos pelos quais anarquistas e os assim chamados “pós-modernos” constantemente são atacados por intelectuais e acadêmicos ¹. O argumento é que a desconstrução da ideia de autor contribuiria para o acirramento do problema da propriedade intelectual e acabaria por legitimar o roubo de ideias (o que esses combatentes da livre circulação de ideias não conseguem entender é que isso não é um problema, é justamente a solução).  Necessário afirmar que nem sempre o plágio foi visto como crime, basta lembrar que Shakespeare nunca hesitou em copiar boas ideias alheias² e o próprio Cervantes defendia a posição de que cada autor não fazia mais do que repetir os seus antecessores sem nenhuma originalidade.

Acreditamos que o plágio como um método de apropriação e reorganização de ideias pode ser uma ótima ferramenta para encorajar o pensamento crítico. Um método que concentra sua atenção no tema, não no autor, tornando impossível verificar as origens genuínas do material (se é que alguma vez na história tais origens puderam ser traçadas). O plágio anula o princípio de identidade, negando a originalidade e que qualquer coisa criada possa ser considerada patrimônio individual de um autor.

Afirmar o plágio não significa que a criatividade está solapada, não há o autor, mas ainda permanece a atividade de delimitar, cortar e caracterizar os discursos a partir de todo esse background e referências. Com a diminuição do poder do autor, temos não só a infinita possibilidade de criação a partir de materiais já disponíveis na história mas também uma maior importância do leitor (aqui entendido como diferente do espectador passivo e alienado), sua função é a de estabelecer instâncias articuladoras entre a criação, história e o novo contexto onde ela se apresenta. O nascimento desse leitor só pode ocorrer com a morte do autor.

Inventar um novo nome, não assinar, assinar com um nome coletivo ou com um nome de alguém conhecido são jogos simples mas acabam por inserir o material produzido em um contexto totalmente diferente, gerando novas perspectivas e desvinculando a unidade do discurso a uma pessoalidade.  O plágio, além disso, permite a combinação das melhores e mais relevantes partes de qualquer coisa, criando efeitos imprevisíveis, desencadeando significados, possibilidades e recepções não planejadas.

Quando ocorre o plágio de um texto, obra ou pensamento considerado “sagrado”, esta simples ação acaba por negar a existência de qualquer diferença hierárquica entre quem efetua o plágio e o pensador em questão. As ideias são tomadas para que sejam expressas da forma mais justa, da maneira que convém a cada um ao invés de se tratar o autor como uma autoridade inquestionável. O plagiador nega qualquer diferença entre aqueles que podem criar e o resto da humanidade, torna a criação de um indivíduo propriedade de todos.

A recontextualização que o plágio desvela parece ser um elemento fundamental da comunicação. Pois do que consistem nossos diálogos senão de palavras copiadas e reorganizadas de forma a fazer sentido em um novo contexto? Se toda expressão é ao mesmo tempo copiada e única, a linha entre a imitação e a inovação é tão tênue que toda e qualquer distinção está fadada a ser arbitrária. Sobre isso, Hegel já teria afirmando: “Quanto aos efeitos que a honra deverá ter contra o plágio, de tal modo se deixou de ouvir a palavra plágio ou roubo intelectual que temos de concluir ou que a honra já eliminou o plágio, ou que o plágio deixou de ser atentatório da honra e desapareceu o correspondente sentimento, ou, então, que a menor alteração numa forma exterior se tem já como uma tão alta originalidade, um tão autônomo pensamento, que a ninguém ocorre a ideia de plágio” .

Deixemos então aos detalhistas a tarefa de decifrar quem foi o primeiro a rearranjar palavras e ideias em uma ordem particular.  Há um mundo inteiro a ser plagiado, copiado, destruído e refeito, afinal de contas, somos nós que possuímos ideias ou são elas que nos possuem?

Notas

1- “Mesmo negando a existência do autor, como indivíduo criador de novas ideias, os pós-modernistas são forçados a reconhecer que ainda há escritores. Escritores são genuínos, indivíduos que produzem textos que nunca tenham sido produzidos antes – incluindo os próprios escritores da pós-modernidade. O escritor sobrevive à morte do autor, e é alguém que ainda pode ser plagiado. Nós apenas temos de substituir o termo “escritor” para “autor” e tudo está como era antes”. Trecho do artigo Plagiarism really is a crime: a counterblast against anarchists and postmodernists (and others)de George MacDonald Ross

2- Curiosos questionamentos surgem no século XIX sobre a existência real de Shakespeare, se seria ou não um nome múltiplo, além de estudos e especulações sobre a existência de Homero e também de um Jesus Cristo histórico. Não parece ser coincidência que isso se dê em tal século, justamente quando há uma forte institucionalização e preocupação com o conceito de autor.

verbete #6: [arte como ideologia]

In vocabulário de palavras em desuso on junho 8, 2010 at 21:52

Esse texto pretende relacionar arte, poder e ideologia partindo da constatação de que cada época deu um valor e uma conceitualização ao termo “Arte”. Se tal problema é abordado de uma maneira histórica e não metafísica, veremos que é só a partir de um período histórico que a Arte, semelhante a como conhecemos hoje, começa a exercer um enorme poder simbólico, servindo grande parte das vezes apenas como um instrumento das classes dominantes para a manutenção de seu status quo. Não se trata aqui de tentar retirar as potências e o valor de uma experiência estética, mas justamente estabelecer uma cisão entre o conceito de Arte e os objetos/eventos estéticos.
A fraude contida no conceito moderno de Arte começa em como ela foi tomada, como uma atividade universal e indissociável da condição humana. Parece incongruente que pinturas rupestres e manifestações de povos antigos sejam expostas e definidas por nossa sociedade ocidental como Arte. Tal afirmação demonstra que não é levado em consideração que tal atividade está inserida em um contexto muito especifico, são importantes rituais de fundo místico e social. Além disso, os objetos criados a partir desses rituais não ficavam expostos para a apreciação do público, não existindo uma separação de quem os cria daqueles que os observa. Essa experiência não estava separada da vida cotidiana.
Então, por qual razão nos nossos livros de História do colégio estão repletos de capítulos, fotos e escritos dedicados à chamada Arte dos ditos “povos primitivos”? Para responder a isso será necessário adentrar nas redes de poder presentes no cotidiano, já que a maioria meios de formação do indivíduo (principalmente a escola) existe para induzir habilidades e interesses que dependem muito dos valores, crenças e do caráter da vida “cultural” de uma sociedade. Nosso gosto passa a ser moldado pelo meio social em que vivemos e é através desse meio que se começa a instituir para o sujeito que tipo de Arte será valorizada. Mesmo as pessoas que afirmam não gostar ou entender de Arte costumam demonstrar interesse por música (emissoras de rádio e majors), cinema (blockbusters), arte dramática (novelas), dança (boates e danceterias), ficção (romances e best-sellers), mas tais interesses não são abarcadas pelo escopo do que seria considerado realmente Arte. Isso acontece pois a Arte se apresentaria como uma subcategoria dessas categorias mais genéricas, ou seja, a Arte não seria: cinema, pintura, teatro, música, etc., sendo considerada como algo superior e além. Parece óbvio que no exemplo citado ocorre uma clara diferenciação das percepções de valor. Se alguém diz que o livro que acabou de ler é uma obra de Arte, na verdade, está dizendo é que o livro lido tem mais valor que os outros, dos quais a classificação de Arte foi retirada.
Somente a partir do século XVII, com as mudanças sociais vigentes, é que começam a aparecer definições de Arte que se assemelham àquelas perpetuadas ainda hoje no senso-comum. Tais  definições aparecem socialmente localizadas na Europa, por uma burguesia incipiente que começava a invadir o espaço da aristocracia e a tomar valores dessa para si.
O conceito Arte como conhecemos hoje emerge na era industrializada, embora as produções culturais “de valor” tenham surgido anteriormente em um conceito aristocrata. A Arte seria uma invenção dessa aristocracia, mas ela não chegou a elaboração de uma  teorização e uma categorização. A burguesia não inventou a Arte, mas reinventou o conceito que gerou todo um novo vocabulário e um valor para se referir à Arte. É muito claro para os românticos que o artista era o depositário oficial da criatividade humana e da consciência. Apenas o artista possuía as paixões que a necessidade espiritual, um dia, forçaria a sociedade como um todo a adotar. Esse novo objetivo da Arte retrataria e glorificaria essa antiga ordem sócio-econômica que a burguesia havia ameaçado destruir por completo. Após as revoluções em que haviam conquistado seu posto privilegiado como classe dominantes os burgueses viam essa radicalidade como algo que poderia ser abandonada. Desse momento em diante, o desenvolvimento da Arte fica amarrado ao desenvolvimento da classe burguesa.
É possível observar mudanças concretas na Arte Moderna como, por exemplo, a reclassificação da literatura e da pintura como Arte, ao contrário do que ocorria até o século XVI. Ainda hoje o conceito de “Arte” vem sendo alargado para receber novas (e rentáveis) formas estéticas. Mesmo assim, é interessante notar que o valor metafísico atribuído à Arte ainda não desapareceu, funcionando de modo semelhante ao das religiões, já que, assim como o objeto religioso necessita da fé para tornar-se sacro, também um objeto “artístisco” necessita de uma crença estética para que seja visto como arte.

Tendo adotado uma perspectiva materialista e antiessencialista da Arte, é preciso atentar-se sobre os dois únicos pontos em comum que agruparia objetos sobre a categorização de Arte: serem tratadas e recebidas como tal. Em outras palavras, obras de Arte são qualquer coisa que aqueles em posição de poder cultural afirmem que seja Arte. Este poder está representado pelas instituições de Arte, críticos, estetas, teóricos e todo um sistema de poder que os legitima, são mantidos por essa validação e trabalham juntos para definir o que é tratado como Arte e, principalmente, o que não é (ou o que não é considerada “Alta Arte”).  A Arte seria definida a partir da circunscrição de suas condições de produção e apresentação, aquilo que no teatro, por exemplo, atores, diretores e dramaturgos apresentam é Arte, e é Arte porque é apresentado no quadro do mundo do teatro, uma argumentação propositadamente circular. O produto artístico é elaborado e recebido pelo “mundo da Arte”, no qual somente especialistas (essas redes de legitimação já citadas) e um grupo de iniciados tem acesso.
A chamada cultura popular perde sua amplitude e a capacidade de manifestação, já que a camada dominante acaba por desmerecer e diminuir as manifestações culturais, estéticas e criativas das classes populares. Se cultura é só o que está nos museus, teatros e outros espaços especializados, rapidamente decorre-se que as classes populares não possuem cultura. Portanto, a Arte passa a ser antes de tudo um fator de coesão social, mas também de produção de capital tanto monetário como simbólico. Números aproximados revelam que o mercado de Arte movimenta cerca de US$ 30 a 40 bilhões ao ano, sendo um dos maiores setores de geração de recursos. Portanto, a questão de um poder econômico relacionado ao que é produzido, consumido e legitimado como Arte não pode ser desconsiderado.
O conhecimento do mundo da Arte está intimamente relacionado à hierarquia social e não possuir tal conhecimento significa ser excluído dos grupos que detêm poder e status. Assim a Arte não passaria de um grande jogo para vender um estilo de vida como algo superior e elevado, então parece óbvio por qual razão  ela se apresenta como a mercadoria ideal. Não é estranho que se queira oferece-la a todos com tanto empenho…