[conjunto vazio]

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O destino das Vanguardas Artísticas

In blog on dezembro 14, 2011 at 04:48

Guy Debord teria dito que a vanguarda da arte é o seu desaparecimento, mas o real  destino de toda vanguarda é virar uma apresentação no Power Point.

O que fazer quando o capitalismo é muito mais divertido e estético do que a arte?

In blog on abril 15, 2011 at 12:50

Quando eramos novos acreditavamos que fazer arte, criar e expressar nossas idéias era por si só revolucionário. Dizíamos que ter uma banda, montar um coletivo, fazer fanzines, etc. era o caminho para sermos mais autênticos,  coerentes com os nossos desejos e uma forma para combater o status quo dominante. Nossos ideais e ações tinham sempre como premissa a festa e o estético, isso servia para afastar todo o rancor, seriedade e postura militante que encarávamos na “velha esquerda”, ortodoxa e caduca.

Não que agora estejamos velhos ou renegando tais práticas (e muito menos querendo deslegitimar quem ainda crê e realiza tais posturas), trata-se aqui de ser coerente em tentar levar a cabo a crítica que propomos a partir do problema que se apresenta,  mesmo que seja necessário colocar em xeque e até abandonar nossas velhas e entranhadas prerrogativas.

Talvez a questão central: “O que fazer quando o capitalismo é muito mais divertido e estético que a própria Arte?”  não possa ser respondida, mas tampouco poderá ser evitada por aqueles que acreditam que lidar com o estético pode carregar potencias questionadoras e emancipatórias.

Grande parte daqueles  que são atravessados por esses problemas (artistas engajados, artistas políticos, artivistas  ou outro nome qualquer que queiram dar) respondem a questão tentando conciliar um fazer crítico com o estético sem de fato se atentar que em nossa época, as condições para a criação de relações anticapitalistas, criativas, divertidas e rizomáticas nunca foram tão propícias e estimuladas. Estaríamos então simplesmente encarcerados no próprio ciclo de produção que acreditávamos combater?

"Se alguém pensa que Hakim Bey é subversivo é porque ainda não conheceu os publicitários da Volkswagen"

Nessas configurações nos parece evidente que o problema do capitalismo no futuro será a utilização do tempo livre.  O artista aparecerá então, não mais como um pária ou crítico (como querem alguns), mas como um organizador dos  lazeres, cabendo a ele propor eventos e situações (qualquer um que já visitou uma loja da Apple sabe que o vendedor, quase sempre misto de DJ e Designer, não vende o produto mas suas potencialidades de uso e criação) . Tal previsão cria para aqueles que tiverem conhecimento, mesmo que mínimo, das vanguardas artísticas do século XX uma sensação de familiaridade e pavor já que as propostas de emancipação e utopia foram invertidas e incorporadas à lógica capitalista. O potencial disruptivo de tais vanguarda foram transformadas em glamour e novas tendências disponíveis para todos os setores do consumo .

Se a crítica aos moldes clássicos e todo um fazer estético que antes era questionador se mostra inócuo, a simples indiferença também não se mostra um caminho (como algumas críticas querem nos fazer crer ser a única e apocalíptica alternativa) como se bastasse sentar e esperar ruir o mundo sob nossos pés.

Impossível não levar tais críticas para o interior do [conjunto vazio] já que procuramos desvincular estética da Arte,  buscando fugir da lógica de apreensão de um objeto ou evento como imediatamente artístico. Fugindo de lugares onde essa relação já se dá de imediato e tentando de fato usar “procedimentos artísticos” na cotidianidade. Mas qual a real efetividade de tal estratégia?

O problema está posto, resta saber se não estamos incorrendo aos mesmos erros que apontamos…  cabe então, não apenas reelaborar questões e críticas, mas a possibilidade de criar uma nova práxis que se faz no cotidiano para além da Arte, da especulação vazia e da aceitação de grupo.

verbete #7: [plágio]

In vocabulário de palavras em desuso on fevereiro 27, 2011 at 06:06

Sous la plage, le plagiat (debaixo da praia, o plágio)

Assim como esse texto é constituído por plágios, qualquer trecho ou o texto inteiro, é livre para ser copiado

Se não há nada de novo no mundo por qual razão ainda somos tão possessivos com nossas ideias?

Ainda na infância fomos ensinados que a maioria das nossas ideias já foi pensada. Quantos de nós não passaram pela situação de ter uma ideia excitante e promissora para rapidamente ser repreendido por um adulto afirmando que não há nada novo em nossas propostas ou que isso já havia sido pensado anteriormente e não funcionou. Nosso método de educação é bastante claro, devemos aprender (de preferência calados) e escolher entre as ideias e crenças já em circulação, dificilmente somos estimulados a desenvolver posições próprias.

O conceito de propriedade intelectual parece ainda mais enraizado ao senso comum do que o de propriedade material e mesmo que muitos intelectuais tenham afirmado que toda propriedade é um roubo (e entre as movimentações anticapitalistas, anarquistas ou ditas “pós-modernas” isso já tenha virado um clichê teórico) dificilmente tal colocação é dita em relação às ideias.  A grande maioria das pessoas desconsidera que conceitos, ideias e obras são frutos de uma cultura e de um tempo, não emergindo do nada. Afirmar que uma ideia possa surgir de um único individuo é desconsiderar toda uma historicidade e simplificar grosseiramente as redes de influências variadas que os processos criativos sofrem. Além disso, não há como fugir da linguagem, no momento em que um sujeito passa a enunciar um discurso qualquer, este já está imerso em algo dado, a própria linguagem. O grande problema está na naturalidade em que somos levados a declarar ideias, conceitos, objetos e até pessoas como sendo propriedades. A lógica do mercado econômico adentra não só nas nossas relações de trabalho e consumo, mas parecem também invadir a vida cotidiana, alterando a forma com que nos relacionamos, pensamos e criamos.

A noção de que ideias possam ser tratadas como propriedade privada acaba por afetar nosso comportamento critico, deixamos de tomar um posicionamento questionador em relação à história e  a toda a herança que podemos retirar dela. O passado, artistas e pensadores tomam formas estáticas e religiosas, como se fossem esferas intocáveis e não passíveis de critica. Importante notar como fazemos pouca distinção entre os pensadores e seus pensamentos, o que acaba por levar a um culto à personalidade que impede qualquer consideração útil sobre os trabalhos destes pensadores e artistas. Tal culto personalista promove uma cruel inversão, já que se torna mais importante saber quem é o pensador que entrar em contato com seus pensamentos. Assim, não importa mais o que é emitido, apenas quem emite, tornando a posse da ideia o fator mais relevante para mensurar o valor das preposições ou obras. Será que um autor é independente de seus trabalhos? A obra de um autor pode ser reduzida a sua vida?  Se tal questionamento for de fato importante, talvez devêssemos nos atentar que às vezes uma obra pode ser bem maior do que seu autor (podemos citar vários grandes autores e pensadores que flertaram ou aderiram a ideias execráveis, mas, ainda assim deixaram um legado riquíssimo: Martin Heidegger, Knut Hamsun, Jorge Luís Borges, Luigi Pirandello, Ezra Pound, Bertolt Brecht, dentre centenas de outros.).

A longa tradição de reconhecer direitos de propriedade intelectual a indivíduos resultou em nossa sociedade na ideia de que um “pensador” ou “artista” é um ser diferenciado, detentor de uma sensibilidade maior do que a maioria dos meros mortais.  A glorificação do gênio, como alguém que naturalmente tem o dom de produzir artefatos, ideias elevadas e que é capaz de unir o conceitual e o sensível acaba por nos levar a crer que são poucos os indivíduos que possuem tais talentos, como se a criação e o pensamento devessem ficar apenas nas mãos desses seres únicos e raros, transformando tais atividades em domínios apenas para especialistas. Tornamo-nos dependentes das ideias alheias, e permanecemos contentes em sermos meros espectadores dos trabalhos criativos dos outros.

É importante notar que nem sempre foi assim, a própria ideia de autor é histórica e apresenta seus primeiros traços na Idade Média a partir dos livros heréticos. Para identificar e condenar os responsáveis pela transgressão escrita era preciso primeiro designá-los como autores de tais textos. A noção de autoria passa a ser importante na medida em que os discursos se tornam transgressores e passíveis de punição.  Foi na Renascença e seus distintos fatores sociais, políticos e econômicos que contribuíram para a invenção e exaltação do indivíduo, o que no campo da arte correspondeu à invenção do “autor”.  O autor como uma invenção moderna, era importante porque dava pistas à leitura, a obra estava então intimamente associada a quem produziu e a ideia de autor criava uma unidade do discurso.

No século XV com a invenção da imprensa, é possível ver a íntima vinculação entre autoria, propriedade intelectual e poder. Os soberanos ao notarem a rápida circulação de informações sentiam-se ameaçados já que antes da imprensa, o conhecimento ficava restrito à pequena elite religiosa e econômica que tinha acesso aos livros manuscritos. Assim o poder cria um instrumento de controle, concedendo aos donos dos meios de produção dos livros o monopólio da comercialização dos títulos que editassem, a fim de que estes, em contrapartida, velassem para que os conteúdos não fossem desfavoráveis à ordem vigente. A própria invenção do copyright na Inglaterra do século XVI não surge para a proteção dos autores mas para o monopólio dos comerciantes e livreiros (além de exercer seu papel no controle das informações). A associação da ideia de propriedade intelectual as leis de direitos autorais é a ideologia que fundamenta o monopólio privado do capitalismo, justamente por isso que tal situação deve ser atacada por qualquer descontente com o atual estado das coisas.

Talvez esse seja um dos aspectos pelos quais anarquistas e os assim chamados “pós-modernos” constantemente são atacados por intelectuais e acadêmicos ¹. O argumento é que a desconstrução da ideia de autor contribuiria para o acirramento do problema da propriedade intelectual e acabaria por legitimar o roubo de ideias (o que esses combatentes da livre circulação de ideias não conseguem entender é que isso não é um problema, é justamente a solução).  Necessário afirmar que nem sempre o plágio foi visto como crime, basta lembrar que Shakespeare nunca hesitou em copiar boas ideias alheias² e o próprio Cervantes defendia a posição de que cada autor não fazia mais do que repetir os seus antecessores sem nenhuma originalidade.

Acreditamos que o plágio como um método de apropriação e reorganização de ideias pode ser uma ótima ferramenta para encorajar o pensamento crítico. Um método que concentra sua atenção no tema, não no autor, tornando impossível verificar as origens genuínas do material (se é que alguma vez na história tais origens puderam ser traçadas). O plágio anula o princípio de identidade, negando a originalidade e que qualquer coisa criada possa ser considerada patrimônio individual de um autor.

Afirmar o plágio não significa que a criatividade está solapada, não há o autor, mas ainda permanece a atividade de delimitar, cortar e caracterizar os discursos a partir de todo esse background e referências. Com a diminuição do poder do autor, temos não só a infinita possibilidade de criação a partir de materiais já disponíveis na história mas também uma maior importância do leitor (aqui entendido como diferente do espectador passivo e alienado), sua função é a de estabelecer instâncias articuladoras entre a criação, história e o novo contexto onde ela se apresenta. O nascimento desse leitor só pode ocorrer com a morte do autor.

Inventar um novo nome, não assinar, assinar com um nome coletivo ou com um nome de alguém conhecido são jogos simples mas acabam por inserir o material produzido em um contexto totalmente diferente, gerando novas perspectivas e desvinculando a unidade do discurso a uma pessoalidade.  O plágio, além disso, permite a combinação das melhores e mais relevantes partes de qualquer coisa, criando efeitos imprevisíveis, desencadeando significados, possibilidades e recepções não planejadas.

Quando ocorre o plágio de um texto, obra ou pensamento considerado “sagrado”, esta simples ação acaba por negar a existência de qualquer diferença hierárquica entre quem efetua o plágio e o pensador em questão. As ideias são tomadas para que sejam expressas da forma mais justa, da maneira que convém a cada um ao invés de se tratar o autor como uma autoridade inquestionável. O plagiador nega qualquer diferença entre aqueles que podem criar e o resto da humanidade, torna a criação de um indivíduo propriedade de todos.

A recontextualização que o plágio desvela parece ser um elemento fundamental da comunicação. Pois do que consistem nossos diálogos senão de palavras copiadas e reorganizadas de forma a fazer sentido em um novo contexto? Se toda expressão é ao mesmo tempo copiada e única, a linha entre a imitação e a inovação é tão tênue que toda e qualquer distinção está fadada a ser arbitrária. Sobre isso, Hegel já teria afirmando: “Quanto aos efeitos que a honra deverá ter contra o plágio, de tal modo se deixou de ouvir a palavra plágio ou roubo intelectual que temos de concluir ou que a honra já eliminou o plágio, ou que o plágio deixou de ser atentatório da honra e desapareceu o correspondente sentimento, ou, então, que a menor alteração numa forma exterior se tem já como uma tão alta originalidade, um tão autônomo pensamento, que a ninguém ocorre a ideia de plágio” .

Deixemos então aos detalhistas a tarefa de decifrar quem foi o primeiro a rearranjar palavras e ideias em uma ordem particular.  Há um mundo inteiro a ser plagiado, copiado, destruído e refeito, afinal de contas, somos nós que possuímos ideias ou são elas que nos possuem?

Notas

1- “Mesmo negando a existência do autor, como indivíduo criador de novas ideias, os pós-modernistas são forçados a reconhecer que ainda há escritores. Escritores são genuínos, indivíduos que produzem textos que nunca tenham sido produzidos antes – incluindo os próprios escritores da pós-modernidade. O escritor sobrevive à morte do autor, e é alguém que ainda pode ser plagiado. Nós apenas temos de substituir o termo “escritor” para “autor” e tudo está como era antes”. Trecho do artigo Plagiarism really is a crime: a counterblast against anarchists and postmodernists (and others)de George MacDonald Ross

2- Curiosos questionamentos surgem no século XIX sobre a existência real de Shakespeare, se seria ou não um nome múltiplo, além de estudos e especulações sobre a existência de Homero e também de um Jesus Cristo histórico. Não parece ser coincidência que isso se dê em tal século, justamente quando há uma forte institucionalização e preocupação com o conceito de autor.

verbete #6: [arte como ideologia]

In vocabulário de palavras em desuso on junho 8, 2010 at 21:52

Esse texto pretende relacionar arte, poder e ideologia partindo da constatação de que cada época deu um valor e uma conceitualização ao termo “Arte”. Se tal problema é abordado de uma maneira histórica e não metafísica, veremos que é só a partir de um período histórico que a Arte, semelhante a como conhecemos hoje, começa a exercer um enorme poder simbólico, servindo grande parte das vezes apenas como um instrumento das classes dominantes para a manutenção de seu status quo. Não se trata aqui de tentar retirar as potências e o valor de uma experiência estética, mas justamente estabelecer uma cisão entre o conceito de Arte e os objetos/eventos estéticos.
A fraude contida no conceito moderno de Arte começa em como ela foi tomada, como uma atividade universal e indissociável da condição humana. Parece incongruente que pinturas rupestres e manifestações de povos antigos sejam expostas e definidas por nossa sociedade ocidental como Arte. Tal afirmação demonstra que não é levado em consideração que tal atividade está inserida em um contexto muito especifico, são importantes rituais de fundo místico e social. Além disso, os objetos criados a partir desses rituais não ficavam expostos para a apreciação do público, não existindo uma separação de quem os cria daqueles que os observa. Essa experiência não estava separada da vida cotidiana.
Então, por qual razão nos nossos livros de História do colégio estão repletos de capítulos, fotos e escritos dedicados à chamada Arte dos ditos “povos primitivos”? Para responder a isso será necessário adentrar nas redes de poder presentes no cotidiano, já que a maioria meios de formação do indivíduo (principalmente a escola) existe para induzir habilidades e interesses que dependem muito dos valores, crenças e do caráter da vida “cultural” de uma sociedade. Nosso gosto passa a ser moldado pelo meio social em que vivemos e é através desse meio que se começa a instituir para o sujeito que tipo de Arte será valorizada. Mesmo as pessoas que afirmam não gostar ou entender de Arte costumam demonstrar interesse por música (emissoras de rádio e majors), cinema (blockbusters), arte dramática (novelas), dança (boates e danceterias), ficção (romances e best-sellers), mas tais interesses não são abarcadas pelo escopo do que seria considerado realmente Arte. Isso acontece pois a Arte se apresentaria como uma subcategoria dessas categorias mais genéricas, ou seja, a Arte não seria: cinema, pintura, teatro, música, etc., sendo considerada como algo superior e além. Parece óbvio que no exemplo citado ocorre uma clara diferenciação das percepções de valor. Se alguém diz que o livro que acabou de ler é uma obra de Arte, na verdade, está dizendo é que o livro lido tem mais valor que os outros, dos quais a classificação de Arte foi retirada.
Somente a partir do século XVII, com as mudanças sociais vigentes, é que começam a aparecer definições de Arte que se assemelham àquelas perpetuadas ainda hoje no senso-comum. Tais  definições aparecem socialmente localizadas na Europa, por uma burguesia incipiente que começava a invadir o espaço da aristocracia e a tomar valores dessa para si.
O conceito Arte como conhecemos hoje emerge na era industrializada, embora as produções culturais “de valor” tenham surgido anteriormente em um conceito aristocrata. A Arte seria uma invenção dessa aristocracia, mas ela não chegou a elaboração de uma  teorização e uma categorização. A burguesia não inventou a Arte, mas reinventou o conceito que gerou todo um novo vocabulário e um valor para se referir à Arte. É muito claro para os românticos que o artista era o depositário oficial da criatividade humana e da consciência. Apenas o artista possuía as paixões que a necessidade espiritual, um dia, forçaria a sociedade como um todo a adotar. Esse novo objetivo da Arte retrataria e glorificaria essa antiga ordem sócio-econômica que a burguesia havia ameaçado destruir por completo. Após as revoluções em que haviam conquistado seu posto privilegiado como classe dominantes os burgueses viam essa radicalidade como algo que poderia ser abandonada. Desse momento em diante, o desenvolvimento da Arte fica amarrado ao desenvolvimento da classe burguesa.
É possível observar mudanças concretas na Arte Moderna como, por exemplo, a reclassificação da literatura e da pintura como Arte, ao contrário do que ocorria até o século XVI. Ainda hoje o conceito de “Arte” vem sendo alargado para receber novas (e rentáveis) formas estéticas. Mesmo assim, é interessante notar que o valor metafísico atribuído à Arte ainda não desapareceu, funcionando de modo semelhante ao das religiões, já que, assim como o objeto religioso necessita da fé para tornar-se sacro, também um objeto “artístisco” necessita de uma crença estética para que seja visto como arte.

Tendo adotado uma perspectiva materialista e antiessencialista da Arte, é preciso atentar-se sobre os dois únicos pontos em comum que agruparia objetos sobre a categorização de Arte: serem tratadas e recebidas como tal. Em outras palavras, obras de Arte são qualquer coisa que aqueles em posição de poder cultural afirmem que seja Arte. Este poder está representado pelas instituições de Arte, críticos, estetas, teóricos e todo um sistema de poder que os legitima, são mantidos por essa validação e trabalham juntos para definir o que é tratado como Arte e, principalmente, o que não é (ou o que não é considerada “Alta Arte”).  A Arte seria definida a partir da circunscrição de suas condições de produção e apresentação, aquilo que no teatro, por exemplo, atores, diretores e dramaturgos apresentam é Arte, e é Arte porque é apresentado no quadro do mundo do teatro, uma argumentação propositadamente circular. O produto artístico é elaborado e recebido pelo “mundo da Arte”, no qual somente especialistas (essas redes de legitimação já citadas) e um grupo de iniciados tem acesso.
A chamada cultura popular perde sua amplitude e a capacidade de manifestação, já que a camada dominante acaba por desmerecer e diminuir as manifestações culturais, estéticas e criativas das classes populares. Se cultura é só o que está nos museus, teatros e outros espaços especializados, rapidamente decorre-se que as classes populares não possuem cultura. Portanto, a Arte passa a ser antes de tudo um fator de coesão social, mas também de produção de capital tanto monetário como simbólico. Números aproximados revelam que o mercado de Arte movimenta cerca de US$ 30 a 40 bilhões ao ano, sendo um dos maiores setores de geração de recursos. Portanto, a questão de um poder econômico relacionado ao que é produzido, consumido e legitimado como Arte não pode ser desconsiderado.
O conhecimento do mundo da Arte está intimamente relacionado à hierarquia social e não possuir tal conhecimento significa ser excluído dos grupos que detêm poder e status. Assim a Arte não passaria de um grande jogo para vender um estilo de vida como algo superior e elevado, então parece óbvio por qual razão  ela se apresenta como a mercadoria ideal. Não é estranho que se queira oferece-la a todos com tanto empenho…

Pixação: questões sobre arte, mercado e práxis

In blog on abril 21, 2010 at 19:30

A quem interessa uma inserção mercadológica e um status de arte da pixação*?

O que antes era considerado vandalismo e um ato criminoso começa a ser visto e reivindicado como produto artístico. Podemos observar tal fato se lembrarmos do livro “Pixação: São Paulo Signature” do pesquisador, arquiteto, designer gráfico, tipografo e fotografo francês, François Chastanet, que foi à São Paulo catalogar as letras espalhadas em muros e prédios, lançando este livro, que expõe a tipografia e caligrafia da pixação. Fato semelhante ocorreu com o livro “Ttsss… a Grande Arte da Pixação em São Paulo, Brasil“ organizado pelo pixador Boleta, considerado um dos maiores nomes do gênero. O livro é vendido como o “primeiro grande livro de arte de vanguarda” e tem grande aceitação na Alemanha, Estados Unidos, França, Espanha e Holanda. Lá fora a pixação já é considerada uma arte e é vista por alguns como artigo de exportação, o que seria comprovado com a recente camisa de futebol da seleção brasileira, feita pela Nike, em que se utilizou a estética do pixo.

 

Nunca x Nike Sportswear "Team Brazil" Pack

Design: Nike Sportswear

 

A questão parece ser ainda mais relevante se analisarmos as últimas ações organizadas pelo Susto’’s e o recente anúncio da participação de pixadores na 29ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo. Estes acontecimentos levantam importantes indagações sobre a comercialização e o apaziguamento do caráter subversivo da pixação. Isso não parece surpreender aqueles que já acompanham os desdobramentos de uma polêmica que começa em junho de 2008,  com a invasão de Rafael  PixoBomb (integrante do Susto’’s) à  formatura/exposição da Faculdade de Belas Artes, curso que fazia e que estava prestes a se formar. Pixaobomb acompanhado de outros pixadores intervieram em várias obras de arte que lá estavam e acabaram por entrar em confronto com alunos, familiares e seguranças da galeria, saindo algemados do local. Pixabomb alegou ter sido esse o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC).

Em setembro de 2008, acontece a invasão da Choque Galeria de Arte, especializada na chamada Street Art. Cerca de 30 pixadores invadiram a Choque e pixaram não só as paredes, como várias obras que lá estavam expostas. A ação foi organizada através de um manifesto chamado “Atack Part 2: A Caminho da Revolução 2008” como uma critica a galeria Choque, que mesmo sendo considerada uma galeria dedicada à arte de rua underground, não abriria espaço e nem exporia obras de pixadores. Sobre essa intervenção, falou-se  até de uma suposta valorização monetária das obras pixadas, como se um maior valor simbólico fosse agregado a elas.

Um mês depois, em outubro de 2008, acontece a invasão da 28ª Bienal de  arte de São Paulo. Cerca de 40 pixadores (integrantes do Susto”s, Secretos e 4) invadiram a abertura da Bienal ao público pixando as paredes do segundo andar que estava propositadamente vazio. Tal ação gerou muita repercussão, principalmente pela prisão da pixadora e integrante do Sustos, Caroline Pivetta.

Um aspecto problemático vem a tona com as ações do Susto’’s. Do ponto de vista de uma atitude antiartística, as intervenções do coletivo parecem extremamente coerentes com uma crítica revolucionária aos padrões de arte dominante. A grande questão recairia sobre os discursos proferidos pelo Susto’’s e, principalmente, pelo  Pixobomb, que remetem sempre a uma tentativa de inserção  no mercado, citando várias vezes sobre como o pixo não é considerado arte ou sobre como apenas algumas pessoas ganham dinheiro com a pixação. É notório como parece haver nessas intervenções um caráter espetacularizado e midiático, gerando sempre a dúvida: é uma oposição/questionamento da arte ou simplesmente uma atitude para que o pixo tenha o mesmo status da arte (e consequentemente tenha o mesmo valor financeiro)? Aparentemente, o que seria uma relação negativa à arte, com ações que levariam a crer em um total desprezo de instituições, obras, artistas e da própria arte,  revela-se marcada pela tentativa de fazer do pixo ele mesmo uma categoria de arte elevada e legítima, em que os pixadores seriam reconhecidos como artistas e, consequentemente, obteriam inserção mercadológica nos circuitos artísticos.

O pretenso discurso revolucionário e questionador do Susto’’s e Pixobomb, afirmando fazer protestos contra a comercialização, institucionalização e domesticação da cultura de rua parece soar ainda mais contraditório e ingênuo após o aceite ao convite da Bienal para a participação de pixadores no evento. O que antes era considerado uma contravenção pelos antigos curadores, que chamaram a ação de “vandalismo agressivo e autoritário”, é visto pelo atual curador da Bienal, Moacir dos Anjos, como um convite ao pensar. Para ele, o pixo borraria e questionaria os limites que separam a arte e a política, fato que  o levou a convidar os mesmos lideres da invasão do pavilhão vazio , em 2008, a expor seus ( agora assim chamados) trabalhos artísticos. A atitude da curadoria nos parece não só esperta, mas extremamente coerente, já que funcionaria como uma forma de expiar a omissão da instituição e sua repercussão negativa no caso da última edição (principalmente pela prisão de Pivetta). Esse “polêmico” convite da curadoria também daria visibilidade ao evento, criando um falso debate que lota jornais, revistas e meios acadêmico ávidos por esse tipo de celeuma. Não é preciso dizer que isso só ajuda a anular o pixo em suas dimensões políticas e de diálogo com a cidade para transforma-lo em apenas mais uma “escola” absorvida na instituição da arte.

Não se trata, aqui de fazer um juízo moral/estético sobre o pixo ou uma tentativa de retirar todo potencial questionador e revolucionário, os quais acreditamos existir nas ações dos pixadores. Concordamos com Baudrillard, que sobre o assunto diz: “A cidade é um “corpo sem órgãos”, como diz Deleuze, um cruzamento de fluxos canalizados. Os pichadores se vêm como aqueles que colocam ordem territorial. Eles se territorializam decodificado espaços urbanos – uma rua, parede ou bairro vem à vida através deles, tornando-se um território coletivo novamente. Eles não se limitam ao gueto, eles exportam o gueto através de todas as artérias da cidade, eles invadem a cidade branca e revelam que ele é o verdadeiro gueto do mundo ocidental “. A pixação é uma atividade em íntimo contato com a cidade, já que o pixador ressignifica violentamente o espaço. Mesmo assim, não podemos nos furtar de indicar que um dos problemas da pixação  reside em seu aspecto muitas vezes bairrista e exibicionista, servindo apenas para reafirmar a  demarcação de um território por um indivíduo ou um grupo. Tais grupos constantemente se organizam na forma de “gangues” com um caráter verticalizado e hostil à outros grupos que também intervêm na cidade.

Para além dessa discussão sobre o caráter positivo/negativo da pixação, é necessário questionar o uso que alguns fazem da pixação, evitando que sua prática se transforme em algo estéril, domesticado e  longe da juventude que já a quase 20 anos faz uso dela como uma forma de diversão e protesto. É através do pixo que eles expressam seu desrespeito ao urbanismo que não contempla a permanência na cidade, tratando-a apenas como um ponto de passagem sem que se favoreça uma real interação entre pessoas e esses locais e, principalmente, não permite que tais jovens, em sua maioria, moradores de regiões distantes dos centros urbanos, vivam a cidade de outras formas que não essa. Então, deveríamos pensar se o que dizem os Amig@s da Próxima Insurreição sobre o Susto’’s e Pixobomb está correto (“…os companheiros do Grupo Susto’s são inimigos da arte moderna e da liberdade artística”) ou se por trás de toda essa prática questionadora exista apenas o desejo de alguns serem integrados ao sistema da arte que aparentemente se opõem? Talvez seja esse o perigo de toda práxis crítica, transformar-se exatamente no que combate!

 

* Utilizamos a grafia “pixo” no lugar de “picho”, conforme o uso que os próprios interventores fazem

A quem interessa uma inserção mercadológica e um status de arte da pixação? O que

verbete #3: [arte crítica]

In vocabulário de palavras em desuso on dezembro 31, 2009 at 17:32

Para além da solução de fazer da Arte uma metáfora de ideologias procurando na narrativa da obra uma adesão ou uma recusa de determinados sistemas políticos, trata-se de estimular o pensamento sobre como os empreendimentos estéticos contemporâneos não se furtam a habitar o espaço onde o próprio ato criativo já se engaja politicamente sem que para isso seja necessária a referência a um conjunto de valores que o justifique. Isso porque o próprio procedimento incluí uma relação crítica com o exercício do poder.  Tais práticas parecem ser em certa medida a retomada dos anseios do período em que a Arte ainda se engajava em uma tarefa utópica, assim essas ações são herdeiras do projeto das vanguardas do século XX quando, muitas vezes, criam novas formas de vida na contramão da vida comum. Criam uma nova economia das percepções e um novo universo de comunicação com o outro.

Não há qualquer coincidência no fato de ser o estético uma das principais alternativas críticas para muitos grupos. Em primeiro lugar, porque, na maior parte das vezes mais do que as instâncias representativas tais como partidos políticos, ela permite o confronto com uma forma de poder que se exerce em um nível micrológico: na percepção, na criação de significados, no uso de coisas, na habitação do espaço, etc. Com um deslocamento para o estético, a crítica consegue acompanhar as mutações do poder que se exerce, com um refinamento nunca visto (haja vista as novas tecnologias que já compõe o cenário do terceiro mundo) no nível dos corpos. Nesse sentido, o estético acessa um confronto político que permanece aquém dos parlamentos. Em segundo lugar, o ambiente criativo parece ser mais apropriados para que se projete determinadas expectativas organizacionais como, por exemplo, a horizontalidade auto-gestionária, a grande abertura para modificações estruturais significativas ou mesmo o anonimato.

O maior exemplo da interseção entre o estético e a política tem sido as “intervenções urbanas” que se lançam em uma heterogeneidade tal que cabe uma análise atenta de suas várias formas. Mas de pixações a intervenções cênicas, passando por manifestações anti-globalização, todas elas propõem (por vezes silenciosamente) um tipo de apropriação do espaço urbano que causa um forte ruído na organização da cidade como mero espaço de circulação de mercadorias.

Se por um lado os artistas urbanos não deixam de buscar alguma inspiração na história da Arte, por outro, o “caso Piveta” (pichadora presa por invadir e segundo as autoridades “depredar” a 28ª Bienal de  arte de São Paulo em 2008) provou que também há tensões entre as intervenções urbanas e a Arte. Se é realmente correto aceitar que a intervenção urbana é Arte, isso não ocorre sem o questionamento radical deste domínio, inclusive institucionalmente. Mas também precisamos lembrar que flash mobs organizados por empresas de telefonia e diversas outras empresas, além da a emulação dos modos de organização dos coletivos autônomos pelos teóricos de recursos humanos colocam uma séria questão: qual a real efetividade crítica de de tais estratégias?

Chantal Mouffe em Artistic Ativism and Agonistic Space se pergunta corretamente se “práticas artíticas podem ainda exercer um papel crítico em uma sociedade onde a diferença entre arte e propaganda tem se tornado turva e onde artistas e trabalhadores culturais tem se tornado parte necessária da produção capitalista”. O problema não é apenas o fato de artistas e publicitários se dissolverem em um mesmo papel social, mas bem mais se a produção artística, mesmo a mais radical, não é cúmplice em seus procedimentos daquilo que ela pretende recusar. Por exemplo, não é certo que os efeitos de impacto e choque de uma intervenção urbana sejam essencialmente diferentes de uma publicidade (atualmente já se fala em “marketing de guerrilha”). O que nos leva também a ver com suspeita editais para eventos artísticos, ainda que públicos, e mesmo a academia é que há uma emulação sutil ou pornográfica dos discursos radicais dentro desses meios que busca, de uma forma ou de outra, torna-los domesticáveis, tornar as idéias não somente menos perigosas, mas mais precisamente sem efetividade alguma.

Em nenhum momento o mais importante é que tenhamos respostas para os problemas, mas que determinemos de modo objetivo os NOSSOS problemas. Para toda tarefa crítica, o problema é: como tornar-se efetiva? Como tornar possível algo além do atual estado de coisas?

O devir-arte da mercadoria

In blog on dezembro 12, 2009 at 20:42

Para além dos discursos que defendem que há uma arte vendida, deixando na sombra – sem muitas vezes conseguir mostrá-lo – que há uma “arte não-vendida”, é preciso pensar que talvez exista uma afinidade essencial entre a natureza do objeto artístico e da mercadoria. Isso explica não só porque a arte é tão facilmente mercantilizável, mas também porque cada vez mais nós temos a impressão que é a vida cotidiana colonizada pelo capital que se torna mais e mais “estética”.

O que significa transformar um objeto banal em um objeto artístico? Antes de qualquer outra coisa, é dissolver o seu uso comum e, em última instância, dissolver o seu uso ou tornar o uso o valor menos importante da coisa. Jamais respondemos para que serve um objeto de arte. Ele, ao contrário, nos confronta com um tipo de abertura que apenas de modo perverso conseguimos restaurar dentro de um uso qualquer. E realmente é como a perversão sexual: é preciso desviar o uso natural dos objetos para torna-los artísticos. Só podemos dizer que uma intervenção urbana é de algum modo artística, porque ela subverte o uso cotidiano do espaço. Ao mesmo tempo, a esperança é que ela se torne política quando o que determina o uso do espaço urbano é o poder.

O que significa transformar um objeto banal em mercadoria? Significa também dissolver o seu uso e fazer deste o valor menos determinante da coisa. Isso quer dizer que o objeto guarda propriedades para além da nossa apreensão empírica (“sutilezas metafísicas”, diria Marx). Não determinamos o que é o objeto na nossa relação direta com ele, mas todas as suas propriedades são determinadas por seu valor de troca. O uso é completamente submetido às leis de mercado, ao imperativo de circulação de mercadorias, por isso a relação de estranhamento tanto do trabalhador quanto do consumidor frente às coisas que povoam e controlam o seu mundo. É preciso no entanto instaurar uma mobilidade ilimitada no mundo dos objetos para que eles se submetam pacificamente às leis do capital. Eles podem ser usados para qualquer coisa. Há um verdadeiro espírito estético no capitalismo mais do que um espírito protestante.

Um exemplo disso é a possibilidade de reintegração daquilo que constrange a sociedade dentro da sua própria maquinaria. De camisas do Che Guevara até linha de maquiagens inspirada em viciados só são possíveis quando os objetos habitam um contexto social onde há uma mobilidade ilimitada de sentido. Então: deixem passar as simulações infinitas!